quarta-feira, 7 de outubro de 2009

CHAMA O SÍNDICO

É impressionante (e saudável) como eu sou a pessoa que menos sabe de tudo o que acontece no meu prédio. E eu sou feliz assim, achando que não acontece nada fora do normal por aqui. Eu curto ser “condominialmente” alienada! Olhando de fora, parece um prédio normal, de gente normal, de classe normal, num bairro normal, com apartamentos de tamanho normal (leia-se: onde você consiga entrar no banheiro sem ter que virar de ladinho pra se limpar). Está até valorizando normal, enfim... Eu faço questão de nunca saber de absolutamente nada da vida das pessoas ao meu redor de modo a preservar esse meu tão querido conceito de normalidade. Até porque vizinho bom, pra mim, ou está de mudança ou é aquele que dá tchau lá da porta dele, já fechando, sumiiiindo... Não. Eu nunca frequento reuniões de condomínio nem assembléias nem nada, nem que o mundo (no caso, o nosso mundo se resume ao chão da piscina infiltrando em cima do teto da garagem) estiver desabando eu vou a um evento desses. O que decidirem está de bom tamanho, eu como pão com banana pra pagar o condomínio, mas durmo em paz. Imagine, na última ata que eu me dignei a ler dizia que os pais de um menino de um apartamento seriam punidos porque o moleque tinha praticado “atos nefastos”. Pelo amor de Deus? O que ele fez? Cozinhou o gato da síndica no microondas até o bichano explodir em mil pedaços? Ah, não dá pra mim. Eu sou muito esquentada pra participar dessas coisas. Na primeira besteira que o inadimplente do apartamento X falasse, eu ia jogar a mesa do salão de festas na cabeça dele, ia dar a maior confusão, sangue, polícia, então melhor não. Bom, o fato é que, mesmo fugindo de maneira muitas vezes ridícula, olhando no olho mágico antes de abrir a porta de casa, fechando com força a porta do elevador e fingindo que eu não vi a vizinha-mala-mãe-da-gordinha-malcriada vindo correndo (tudo pra não subir com aquele papo brabo de calor, frio, faxineira boa e fralda noturna mais flexível para bebês), tem dia que não dá pra escapar. Eu e o marido estávamos subindo no elevador, cheios de compras nas mãos e, advinha, encontramos com os meus vizinhos de parede. Eles fazem aquele tipo “participativo-controlador-compulsivo” e, mesmo sem perguntar, acabamos sabendo de coisas cabeludíssimas que rolam por aqui. “Você soube da última?”. Vontade de dizer: meu filho, eu não soube nem da primeira, que dirá da última. Não sei nem quero saber! Mas não digo, não escapo e começa: “O cara do apartamento tal aproveitou que a mulher viajou, chamou duas mulheres ‘estranhas’ e foi visto pelo pessoal do prédio vizinho dançando pelado na varanda, baixou polícia e tudo”. Nossa, que coisa. “Ah, e o cara do tal andar que pendurou a mulher pelos pés pra fora da janela, bate nela direto e ela gosta tanto que não quer que ninguém chame a polícia se acontecer de novo. Tá sabendo?” Não, não estAVA sabendo. E me dá uma vontade louca de dizer: e nem queria saber e tchau porque o dedo do meu marido está quase gangrenando enrolado na sacola plástica do mercado. Mas não digo, apesar de ser verdade, e a coisa continua: “Olha, ainda bem que nós nos livramos do vizinho aqui debaixo. Finalmente se mudou. Também, depois que ele deu um tiro pro alto bem na hora que meu filho estava na janela, e foi todo mundo pra delega, tinha mais é que ir embora rapidinho”. Jesus Cristo, tiro, delega? Que lugar é esse? Que horas acontece essas coisas que eu não vejo nem ouço nada? Eu estou morando onde? Custa os olhos das nossas caras e um pouquinho das nossas orelhas isso aqui! Enquanto ele falava, meu conceito sobre a tal normalidade ia ficando completamente abalado, assim como a minha fé no ser humano em geral. E como se não bastasse me deixar apavorada com essas informações sobre os nossos companheiros psicóticos de plantão, deixar o dedo do meu marido quase pra cair, o cara ainda começa a falar do que acontece nos prédios vizinhos: “Sabe o prédio chique aqui na rua tal? Então, minha amiga mora lá e outro dia ela desceu com um cara pelado no elevador! Ela chamou o marido pelo interfone e ele disse: - Deixa o cara ser feliz!”. Ok, é engraçado pra caramba pensar nisso, mas eu tinha que fazer cara de indignada ali na hora. Claro, como tudo sempre pode piorar, começou a me dar uma vontade incontrolável de fazer xixi, e eu pensava no dedo do marido ficando cada vez mais roxo. Ai que nervoso. Devia ter previsão de multa pra quem perturbasse a estabilidade emocional dos demais condôminos desse jeito. Finalmente conseguimos nos livrar, tchau, tchau, adeus pra nunca mais, se Deus nos ajudar só te encontro na próxima vida, bam, porta fechada. Senti um alívio tão grande que ali sentada na privada, tive um ataque de riso e comecei a chorar. Porque, falando sério, a vida dos outros é ou não é coisa de chorar de rir?

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