quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

CONTAR AS HORAS, AS SEMANAS E OS ANOS NÃO SIGNIFICA RIGOROSAMENTE MUITA COISA

"A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo...
Quando se vê, já é 6ª feira...
Quando se vê, passaram 60 anos...
Agora, é tarde demais para ser reprovado...
E se me dessem - um dia - uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio.
seguia sempre, sempre em frente...
E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas
." (do poeta mais gentilmente sincero que eu conheço, Mário Quintana)

DESEJOS

Que no ano que vem (e nos próximos) possamos exercitar o olhar que vê e ama a beleza da vida, que possamos recuperar o olhar curioso de uma criança diante do mundo, das coisas e das pessoas, amando tudo o que se descobrir. Fernando Pessoa que nos ajude:

"O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do mundo...
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar
..." in O Guardador de Rebanhos (que merece ser lido inteiro e incontáveis vezes)

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

TUDO BEM NO ANO QUE VEM

Esta época de final de ano tem sido tão esquisita pra mim ultimamente... Pode ser que esquisita esteja eu na crise dos trinta ou que eu fique ainda mais esquisita nessa época e que o fim do ano não tenha culpa absolutamente nenhuma disso – coitados dos anos. Pode ser que isso afete todo mundo, em graus e estilos diferentes. Não sei bem. O que eu sei é que nestes dias finais dos últimos anos eu tenho sentido uma urgência sufocante dentro de mim, uma necessidade quase ridícula de, depois daquela meia-noite, me tornar uma heroína superpoderosa para criar uma nova condição de vida, um novo eu e realizar coisas novas de um jeito novo. E eu gosto tanto do novo... Meu corpo fica cheio de adrenalina, como se estivesse às vésperas de tomar um choque. Um choque que, em tese, me dará uma energia insana de sair por aí fazendo todas as milhões de coisas que eu não fiz nos últimos doze meses. Tenho mil ideias, sinto uma disposição atípica, uma vontade louca de ser mais corajosa com tudo, de ser menos preguiçosa, de encarar os obstáculos como pecinhas de Lego, de acreditar mais na minha capacidade e de fazer planos, de pensar, pensar, pensar sem parar. Minha cabeça já não pára normalmente, mas, nessa época, vira um turbilhão incontrolável. Eu preciso anotar as coisas. Acordo de noite para fazer isso sob pena de simplesmente não conseguir dormir. Escrevo textos que me vêm à mente, elaboro novos planos, faço contas e listas. Ah, as listas. Listo tudo aquilo que passo a ter certeza absoluta de que será o melhor a fazer e o que “preciso”, imperiosamente, realizar. Sinto uma excitação, uma felicidade, uma vontade de sair correndo, voando, uma potência enorme dentro de mim pronta a disparar. É uma agitação interna deliciosa, não cansa e me faz lembrar como me sentia há uns anos atrás todos os dias, não só nos dias que antecedem o 31 de dezembro. Mas depois... logo no dia 1º é como se eu fosse possuída por uma entidade, um espírito zombeteiro e pessimista, me assombrando sob a alcunha de “Realidade”. E aquela pessoa disposta e até mais bonita que eu me tornara nos últimos dias vai desaparecendo do espelho. Eu começo a procurar desesperadamente por ela. Ela estava ali há um segundo, não pode ter ido tão longe! Volte, por favor! Eu gosto tanto dela... E, de repente, eu me sinto só e transformada. Quase triste. Passo a pensar todo o tempo no que eu acho que não sou capaz de fazer, nos empecilhos, nas dificuldades, no que “não pode dar certo”, no que é “arriscado demais” e fico ali, cabisbaixa, quase com pena de mim mesma (argh!), acreditando piamente em limitações que são, de fato, muito menores do que eu as imagino. Como alguém pode ter essa capacidade de mudar tanto e tão rápido de atitude, de humor, de pensamento e de disposição como eu? Todo ano tem sido assim e eu não entendo, simplesmente não entendo. E não aceito mais. É por isso que para este ano eu tenho um plano. Vou escrever tudo agora, deixar registrado tudo o que passa dentro de mim, todo esse ânimo e motivação. E vou fotografar essa pessoa para revê-la sempre, mesmo que ela suma do espelho, para que eu possa todo o ano, todos os dias, me lembrar do que gosto de ser verdadeiramente, do que eu quero e preciso ser. E, desta vez, tenho certeza, tudo vai ficar bem no ano que vem.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

DE CARA COM O FUTURO

Acabo de ter uma experiência... inclassificável. Correndo (como sempre), entrei apressada no mercado e dei de cara. Diferentemente do que seria esperado de alguém tão desajeitada como eu, não bati meu nariz em nada, nem topei o dedo do pé, nem esbarrei em ninguém. Fui eu quem foi atropelada! Atropelada pelo futuro. Uma senhora de mais de 80 anos caminhava delicadamente na minha direção demonstrando um firme propósito de parecer ereta. Era uma luta contraditoriamente elegante contra o próprio corpo, que insistia em lhe impingir um desconforto óbvio. A olhei já indo ajudá-la e, simplesmente, não pude mais me mexer. Uma corrente elétrica passou por mim quando ela levantou o rosto e eu vi os seus olhos verdes como os meus, o formato do rosto rigorosamente igual ao meu e uma postura tão familiar... Se não fosse o corpo frágil, a pele branca enrugada e os cabelos cinza, seria como me ver no espelho. Ficamos as duas ali, olhando uma para a outra, como se nos conhecêssemos. Na verdade, como se nos reconhecêssemos. Era uma semelhança tão clara que ficamos quase assustadas. Ela talvez vendo em mim a força que tivera e a moça que fora e eu me deparando com quem verdadeiramente poderia me tornar. Juro: a situação era tão improvável que tive o ridículo impulso de tocar aquele "outro eu", mas me controlei bem. Quando saímos do transe de estranhamento, ela sorriu abertamente e disse: "- Está tudo bem, querida, eu consigo sozinha. Obrigada". Até o orgulho era igualzinho ao meu?! A mim restou mesmo pedir desculpas por atrapalhar seu trajeto, já que, naquele momento, talvez eu precisasse de muito mais ajuda do que ela para me locomover. Fizemos caras iguais de interrogação e ela passou. Olhamos para trás ao mesmo tempo. Aqueles segundos levaram para mim um tempo difícil de explicar. Mas, ao contrário do que seria aceitável acontecer comigo, não isolei na madeira o mau agouro da velhice. Não. Acabei achando graça daquela viagem no tempo e, já em meio aos legumes e frutas, tive uma epifania sobre os caminhos naturais da vida e senti paz dentro de mim. Não consegui resistir a imaginar quantas coisas ainda iriam acontecer comigo até que eu me tornasse aquela senhora, quanta vida ainda tinha pela frente, quantas pessoas e lugares conheceria e fiquei feliz até em pensar nas rugas que teria. Que eu as tenha, porque serão as provas de que eu vivi. Continuei sorrindo, quase rindo, ao concluir que minha rápida ida ao mercado tinha demorado muito mais do que eu previa. Uns 50 anos mais, no mínimo!