quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

DE CARA COM O FUTURO

Acabo de ter uma experiência... inclassificável. Correndo (como sempre), entrei apressada no mercado e dei de cara. Diferentemente do que seria esperado de alguém tão desajeitada como eu, não bati meu nariz em nada, nem topei o dedo do pé, nem esbarrei em ninguém. Fui eu quem foi atropelada! Atropelada pelo futuro. Uma senhora de mais de 80 anos caminhava delicadamente na minha direção demonstrando um firme propósito de parecer ereta. Era uma luta contraditoriamente elegante contra o próprio corpo, que insistia em lhe impingir um desconforto óbvio. A olhei já indo ajudá-la e, simplesmente, não pude mais me mexer. Uma corrente elétrica passou por mim quando ela levantou o rosto e eu vi os seus olhos verdes como os meus, o formato do rosto rigorosamente igual ao meu e uma postura tão familiar... Se não fosse o corpo frágil, a pele branca enrugada e os cabelos cinza, seria como me ver no espelho. Ficamos as duas ali, olhando uma para a outra, como se nos conhecêssemos. Na verdade, como se nos reconhecêssemos. Era uma semelhança tão clara que ficamos quase assustadas. Ela talvez vendo em mim a força que tivera e a moça que fora e eu me deparando com quem verdadeiramente poderia me tornar. Juro: a situação era tão improvável que tive o ridículo impulso de tocar aquele "outro eu", mas me controlei bem. Quando saímos do transe de estranhamento, ela sorriu abertamente e disse: "- Está tudo bem, querida, eu consigo sozinha. Obrigada". Até o orgulho era igualzinho ao meu?! A mim restou mesmo pedir desculpas por atrapalhar seu trajeto, já que, naquele momento, talvez eu precisasse de muito mais ajuda do que ela para me locomover. Fizemos caras iguais de interrogação e ela passou. Olhamos para trás ao mesmo tempo. Aqueles segundos levaram para mim um tempo difícil de explicar. Mas, ao contrário do que seria aceitável acontecer comigo, não isolei na madeira o mau agouro da velhice. Não. Acabei achando graça daquela viagem no tempo e, já em meio aos legumes e frutas, tive uma epifania sobre os caminhos naturais da vida e senti paz dentro de mim. Não consegui resistir a imaginar quantas coisas ainda iriam acontecer comigo até que eu me tornasse aquela senhora, quanta vida ainda tinha pela frente, quantas pessoas e lugares conheceria e fiquei feliz até em pensar nas rugas que teria. Que eu as tenha, porque serão as provas de que eu vivi. Continuei sorrindo, quase rindo, ao concluir que minha rápida ida ao mercado tinha demorado muito mais do que eu previa. Uns 50 anos mais, no mínimo!

Um comentário:

  1. SEN-SA-CIO-NAL!!!!

    Que venham os anos, um de cada vez e muito bem vividos!

    Rs!

    Bjos!

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