sábado, 14 de novembro de 2009

INFLAÇÃO NAS RELAÇÕES

Ontem assisti a um documentário sobre a busca incessante das pessoas pelo companheiro perfeito e pelas relações afetivas ideais. O resultado de toda uma série de pesquisas e estudos não poderia ser outro que não fosse o massacre de frustração e solidão que elevados níveis de expectativa geram nas pessoas hoje em dia. O programa abordava em especial as mulheres, claro, que, desde criança, são doutrinadas a procurarem pelo príncipe encantado. Neste aspecto é importante notar que o check list a ser cumprido para a obtenção do título de “Príncipe Encantado” sofreu severa inflação. Além de lindo, educado, gentil e fiel, hoje em dia precisa ser financeiramente estável, ter uma carreira promissora, falar línguas e pelo menos pretender um mestrado, não ser emocionalmente dependente, não ser muquirana, ser o melhor amante do universo e adorar crianças e cachorros. Ah, claro, ele ainda tem que se lembrar de todos os aniversários (dias, meses e anos) do primeiro beijo, mandar flores, fazer declarações públicas de amor, dispensar os amigos por você, não ligar muito pra futebol (!?), sorrir mesmo quando estiver com dor de barriga, passear quatro horas seguidas no shopping sem reclamar e defender a amada dos ataques subliminares da mãe dele. Que cansaço! É muito, muito difícil atender a tantos critérios de classificação. As revistas femininas estão cheias de “dicas” para testar o incauto candidato. Se o cara virar a cabeça duas vezes para a esquerda durante o jantar já é um sinal de que a coisa não vai bem. Se o cara atender ao celular enquanto você foi ao banheiro é sinal que não está tão a fim assim de você. Se ele não te ligar até o meio-dia do dia seguinte ao primeiro encontro é porque é um canalha e não vai mais querer saber de você. Pronto. E essa maluquice já justifica uma overdose de sorvete de doce de leite da Häagen-Dazs cumulada com uma tripla sessão de comédias românticas alugadas com lágrimas nos olhos na locadora! O que se revela uma péssima ideia, já que o último filme acaba com um homem correndo atrás da mulher amada feito louco em um aeroporto gritando “Please, don´t go! I love you!”. Acho que não deve ser à toa que os filmes, inclusive comédias românticas, vêm com um prudente alerta de que se trata de uma obra de ficção e que qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência... Não estou aqui dizendo que o amor não existe, que encontros casuais não podem virar grandes romances, não é isso. Eu sou prova viva que um grande amor pode existir e aparecer até para quem nunca acreditou muito nele. Sim, eu ouvi os sinos tocarem quando me descobri apaixonada pelo meu marido. E tocaram alto, desesperadoramente alto (isso somente porque eu me permiti ouvi-los tocar). Também não estou dizendo que é preciso se contentar com “qualquer um”, com estar ao lado de alguém com desvio de caráter e que não acrescente nada ou que faça mais mal do que bem. Sou contra emburrecimento amoroso. Mas fico sempre pensando que a maioria dos relacionamentos que eu vi ir para o buraco não acabou por falta de amor, mas por falta de tolerância e por falta, principalmente, de se evitar a projeção no outro daquilo que se idealiza de alguém como condição para estar ao seu lado. Será que não basta uma pessoa gostar muito de você, sofrer quando você sofre, cuidar de você quando está doente de vomitar (pra mim não existe maior prova de amor), pensar em você da hora que acorda até a hora de ir dormir, rir junto, dividir umas esfihas porque a grana está curta? Não? Ela ainda precisa acordar de bom humor, amar literatura e filmes europeus necessariamente? A pessoa tem mesmo que ser perfeita? Mas perfeita como? Como ninguém! Todo mundo têm suas manias e idiossincrasias. Então, por que não tentar conversar, contornar e aceitar pequenas incapacidades alheias? Por que se tornar intolerante por o outro não te dar rigorosamente aquilo que ele simplesmente não tem condições de te dar? E por que não tentar enxergar só um pouco, só de vez em quando, quanta coisa maravilhosa ele pode te dar? Marguerite Yourcenar (uma escritora que eu aprendi recentemente a amar), dando voz a um sábio imperador romano que avaliava com prudência as relações sociais, escreveu “nosso grande erro é tentar encontrar em cada um, em particular, as virtudes que ele não tem, negligenciando o cultivo daquelas que ele possui”. E quanto isso acontece, não é mesmo? Não só com os pares, mas com nossos pais, irmãos, com nossos amigos, chefes, colegas. É tão mais fácil enxergar só o ruim ao invés de colocar no pratinho de lá da balança o que vemos de bom no outro. Provavelmente seríamos surpreendidos com a relação custo x benefício! Ah, não, mas somos “tão” independentes, “tão” senhores da razão, sabedores do bem do mal, do melhor e do pior que não podemos ser incomodados com esse tipo de exercício de julgamento mais cauteloso. Dá tanto trabalho... Para nos sentirmos confortáveis dividindo nossa bolha com o outro é preciso que as pessoas cumpram um protocolo, que tenham um comportamento predeterminado, tal qual fora idealizado. Não cumpriu? Adeus! Mas não é assim. Cada um tem em si nobrezas e hostilidades, dias bons e dias não tão bons, maneiras diferentes de ver as coisas, valores distintos e não por isso deve ser menos digno do voto de confiança de fazer parte da nossa vida. Mas, como tudo pode ser mais fácil do que o bom senso... quem quiser que siga por aí testando beijar todos os sapos do mundo. Eca!

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